29 de janeiro de 2009

A segunda pessoa

Desde que a viu pela primeira vez na televisão, ele adquiriu um sonho: queria aquela mulher. Não era um sonho bobo, como o de uma criança. Não, era o amor. Começou a mudar seus horários para acompanhá-la no reality show. E, quando ela aparecia, ele tremia. De coração acelerado e calor no corpo, fechava os olhos ao ouvi-la. Ah! A voz era doce. Era voz de mulher feita para ser amada. Quando ela foi eliminada do programa, ele chorou pelos dois. Já se acostumara com sua companhia.

Nunca foi um homem apegado à materialidade, ao contrário, buscava viver sem apegos. Também não se curvava a coisas nostálgicas, considerava-se bem moderno para um homem daquela idade. Porém, sentia que começava a mudar, talvez por ela. Colecionava fotos e vídeos daquela mulher, lembrava-se de quando podia vê-la e ouvi-la ao vivo, mesmo que pela televisão. Não era comum para ele. Mas exceções existem. É regra.

O dia seguia normalmente, nem muito azul, nem muito cinza. Um dia pálido. Sentou-se em frente ao computador de sua sala, com o costumeiro ar solitário. Ficou muito branco ao ler a notícia de que ela venderia sua virgindade! Na hora, ele nem pensou se era comum ou não, vender algo tão íntimo, por assim dizer. Só lembrou-se de confirmar com sua consciência o que ele já sabia, ela ainda era virgem.

"Tu queres isso, não é?", começou o debate em sua própria mente. Era uma voz soberana, que o dominava em qualquer questão. Levantou-se e foi até o espelho, como sempre fazia ao conversar consigo mesmo. "Quero", era tudo que conseguia pensar. Mal reparou que seu rosto apresentava cansaço e seus cabelos já não estavam no lugar certo.

"Pois tu erras ao alimentar tal desejo. Não és homem para tal mulher, não a mereces. Sabes que aquela é uma mulher pura e digna de admiração. Tu sabes porque a colocas em patamares altos e a adoras. És tu mesmo quem diz que não existe outra igual. E quem és tu? Quem? Ninguém. Ficas sozinho e aceita o vazio, não cantas mais e não sentes falta do eco. Ficas fascinado com a imagem e achas que és uma boa companhia.". Tudo isto foi o que disse aquela voz costumeira. Ele devolveu o olhar medonho ao espelho, não esperava mais humilhação de sua própria mente. E assustou-se com sua fonética ao responder: "Sou assim e sei disso. Mas a amo e por ela estou disposto a mudar."

"Mudar?", riu seu próprio pensamento, com gosto. "Tu não és capaz de mudar, como nunca foste capaz de nada. Não te reconheces mais. Olha com atenção para um de teus poucos amigos, o espelho. Ele mostra tua realidade, mas tu te recusas a enxergar." Notou que a voz ficara mais imponente e que suas mãos agora apalpavam o próprio rosto. Dessa vez, ele não conseguiu responder, nem mesmo sentia que ainda podia falar. E aquele monstro continuou com voracidade e violência: "Tu a queres, mas e ela? Ela não te quer, nem mesmo sabe que tu existes".

Ele agora sentia suas mãos molhadas pelas lágrimas. Como ela não poderia aceitá-lo? Ele, que sempre a viu como a grande mulher que é? Ele, tão apaixonado, tão envolvido. A qualquer momento seu monstro interior continuaria e ele já não conseguia se mover, a não ser pelos dedos se afundando no rosto. "Vejas como és insignificante. Olhes tuas feições, tão antigas, tão acabadas. Tu és feio. Porque te espantas? Não és bonito e não és normal, és feio, sim."

Seu rosto estava molhado. E se ela o achasse feio? Como ele não pudera reparar antes em tal fato? Aquela voz não mentia, não era bonito. Mas ela estava vendendo a própria virgindade, vendendo... vendendo...
"Sim, talvez ela não seja tão pura quanto tu pensaste que fosse. Uma mulher que se vende. Questionas-te. É uma mulher digna de tanto amor? Ora, sem essa de achar que é porque ela precisa. Não, ela quer. Ela gosta disso, é uma desonrada."

Não, não é verdade, não pode ser. Não. Ele pode ser diferente, pode não ser bonito, talvez estranho. Mas ela era uma deusa. Uma mulher bela e que merecia o mundo. Alguém acima de todos. Era a mulher que ele amava. Percebeu que no seu rosto tinha mais do que lágrimas e suas unhas, cravadas na pele, estavam cobertas de sangue. Aquela voz monstruosa se transformara em riso.

Ele, que nunca foi capaz de muita coisa, correu para a janela e pulou. Morava no décimo quinto andar de um condomínio distinto, belo e honrado. O dia seguia, nem muito azul, nem muito cinza. Um dia pálido.

-> Crônica baseada na notícia de uma ex-BBB que colocou a virgindade no mercado.
-> Postado no dia 14 de outubro, no meu blog pessoal.

2 comentários:

Mila disse...

Ótima crônica, Sassá!

Adoro fins trágicos, foi bom pensar que o cara iria dar o maior lance do leilão e no final sentir um aperto no coração pq ele se matou.

Bjinhos!

Kenia Soares disse...

legal essa! mas virgem? sei...